segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Marcos, muito obrigada por compartilhar conosco sua leitura, suas impressões. Que bom unirmos o senso crítico e a dimensão da afetividade no nosso exercício de educadores e historiadores. Sou grata a todos da Prática de Ensino de História I por estarem nesta aventura da educação comigo neste semestre.

Samba durante o Estado Novo

O samba Oh!, Seu Oscar, ganhou o prêmio de melhor canção carnalesca em 1939, num concurso promovido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do Governo Vargas. Abaixo você poderá escutar a composição de Wilson Batista na voz de Roberto Silva. Na música, as desventuras de um trabalhador que chegando em casa, cansado do trabalho, descobre que foi abandonado pela mulher.

Roberto Silva - "Oh! Seu Oscar"

Samba e malandragem durante Estado Novo

Alunos e alunas, nas décadas de 1920 e 1930, o cinema e o rádio foram mobilizados para a educação e para a propaganda, sobretudo a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder com a chamada "Revolução de 30". Durante o Estado Novo (1930-1945) tentou-se implantar um projeto de disciplinarização do homem brasileiro por meio do samba. Produzido entre as camadas mais populares e negras, desde seu nascimento o samaba foi visto com desconfiança pelas elites e autoridades brasileiras. Tocar violão era um atestado de vadiagem. Uma série significativa de sambas que tematizava as precárias condições dos trabalhadores, as dificuldades da população com trabalho duro e sem receber uma justa remuneração, exaltava a figura do malandro. Um tipo que preferia dedicar-se a bicos, furtos e exploração de mulheres, evitando entregar-se ao trabalho pesado, que, via de regra, só trazia benefícios aos patrões.

As duas músicas abaixo, Lenço no Pescoço, de Wilson Batista (1933) e Deixa de Arrastar teu tamanco de Noel Rosa apresentam, respectivamente, as vantagens da malandragem e a tentativa de disciplinarizar esse personagem e dar mais respeitabilidade ao samba e ao sambista.

Gradativamente o samba será apropriado pela classe média e se tornará um elemento identitário privilegiado nos discursos sobre o Brasil. Por iniciativa de sambistas que buscavam livrar-se das perseguições policiais, e pela intervenção das autoridades cariocas que buscavam disciplinar as camadas menos privilegidas da população, o samba ia se tornando cada vez mais sério e respeitável.
Por meio de concursos, censura e outras estratégias de cooptação de músicos coordenadas pelo DIP, as autoridades do Estado Novo procuraram incentivar os sambistas a mudar os temas de suas composições.

Fonte de pesquisa:
Almeida, Claudio Aguiar. Cultura e Sociedade no Brasil (1940-1968). Editora Atual.

Rapaz Folgado - Aracy de Almeida

Wilson Batista - Lenço no pescoço

Nas trilhas do Oriente: as viagens de Marco Polo e ensino-aprendizagem da Idade Média

NAS TRILHAS DO ORIENTE: AS VIAGENS DE MARCO POLO E O ENSINO –
APRENDIZAGEM DA IDADE MÉDIA
Natália Conceição Silva Barros1
natibarros1@yahoo.com.br
RESUMO
Como criar outras narrativas sobre a Idade Média? Como mostrar práticas sociais, políticas e
culturais que fizessem com que alunos e alunas da 6ª série alargassem sua visão sobre o
período, para além dos duendes, bruxas, padres e fogueiras recorrentemente considerados
símbolo do mundo medieval? Como desconstruir estereótipos comumente associados ao
período e despertar o senso investigativo e crítico dos/as adolescentes? O objetivo deste
artigo, portanto, é relatar e analisar as estratégias e recursos didáticos utilizados nas aulas de
História do Colégio de Aplicação com o intuito de construir junto com os/as alunos/as um
outro conceito de Idade Média. As viagens do comerciante veneziano Marco Polo pelo
Oriente, relatadas no “Livro das Maravilhas”, escrito no século XIII, foi o ponto de partida
para a construção de outra medievalidade. Dentro da delimitação temporal, séculos X a XIII,
nos aventuramos por outros espaços: O Império Mongol na China, a Índia Muçulmana, o
Mundo Islâmico e o Japão na época dos samurais. O estudo do Oriente Medieval, através do
relato de viagem, contribuiu para ampliar o horizonte mental dos adolescentes, possibilitando
uma interpretação menos eurocêntrica e etnocêntrica a respeito do “outro” e mostrando a
diversidade de caminhos construídos por homens e mulheres ao longo da história.
Palavras-chaves: História; Ensino; Medieval; Oriente.
Introdução
As aulas de História da 6ª série do Colégio de Aplicação estão pautadas na concepção
de que a História constitui um, dentre muitos discursos a respeito do mundo. Embora esses
discursos não criem o mundo, eles se apropriam do mundo e lhes dão todos os significados
possíveis. Aos alunos e alunas procura-se ensinar que o pedaço de mundo que é objeto de
investigação da história é o passado (sobretudo o passado, mas não exclusivamente o
passado). Destaca-se que a história como discurso está, portanto, numa categoria diferente
daquela sobre a qual discursa. Ou seja, passado e História (mais preciso seria dizer
Historiografia) são coisas diferentes. Tenta-se, através de uma série de atividades e debates,
numa linguagem lúdica e acessível, ressaltar que o passado e a História não estão unidos um
ao outro de tal maneira que se possa ter uma e apenas uma leitura histórica do passado. O
passado e a História existem um livre do outro. Isso porque o mesmo objeto de investigação
pode ser interpretado diferentemente por diferentes práticas discursivas ao mesmo tempo que,
em cada uma dessas práticas, há diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço.(
JENKINS, 2005).
1 Professora do Colégio de Aplicação. Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Pernambuco.
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Assim, o ensino de história é entendido como uma prática que possibilite ao educando
perceber as disputas narrativas na construção do passado. Procura-se estimular o olhar
sintomático, aquele que identifica as representações sobre o passado e as disputas para estas
mesmas serem legitimadas e aceitas como verdadeiras. Ainda considera-se que um dos
principais objetivos de quem estuda história é conhecer as diferenças culturais existentes entre
as sociedades, pois, só assim é possível respeitá-las. Para garantir esse objetivo, na 6ª série,
estudamos as práticas sociais de povos que viveram em diferentes regiões do mundo – Ásia,
Europa e África. Este estudo estimulou a percepção de semelhanças e diferenças entre essas
sociedades, bem como dos contatos que estabeleceram entre si ao longo da Idade Média. O
conteúdo programático abordado privilegiou a discussão sobre a construção do oriente e do
ocidente – através de uma série de discursos e práticas.
As discussões sobre a construção/desconstrução de estereótipos, preconceitos e o
desafio da alteridade estavam presentes nas aulas, incentivando os/as alunos/as a ampliarem
sua visão de mundo e a exercerem o respeito às diferenças. Além da literatura - neste caso um
relato de viagem - filmes e entrevistas foram recursos didáticos adotados na condução das
aulas. Dessa forma, procurou-se entender a sala de aula como um local onde não só se
transmite informações, mas onde uma relação de interlocutores constrói sentidos e onde podese
forjar relações sociais mais justas. Espaço privilegiado, a sala de aula permite aventuras
para além da transmissão de nossas heranças culturais, para além da mera reprodução. Nela o
professor pode deixar o papel de simples intermediário entre pretensos (e distantes) “saber
científico” e “saber escolar” (SCHMIDT, 2005). Pensando dessa maneira, entendendo a
disciplina escolar História como uma entidade epistemológica relativamente autônoma,
experimentamos narrar este oriente medieval através das histórias de um jovem ocidental. Em
sua maior parte, a narrativa de Marco Polo é cheia de ação e rica em detalhes descritivos,
atendendo ao espírito inquieto e sonhador do adolescente. Mostra uma história viva, feita por
personagens e enredos dinâmicos.2 Rusticello, escritor, companheiro de cela de Marco Polo3 e
redator do “Livro das Maravilhas”, desperta o interesse de todos:
Senhores, Imperadores, Reis, Duques e Marqueses, Condes, Fidalgos
e Burgueses, e todos vós que desejais conhecer as diferentes raças e
as variedades das diversas regiões do globo, tomai este livro e
mandai que vo-lo leiam; e nele encontrareis todas as imensa
maravilhas e curiosidades da nobre Armênia e da Pérsia, dos
Tártaros e da Índia e diversas outras províncias da Ásia Menor e de
uma parte da Europa, desde o momento em que se parte da direção
do Vento Grego, do Levante e do Tramontano; assim as descreverá
nosso livro e vo-las explicará, clara e ordenadamente, como as conta
Misser Marco Polo, sábio e nobre cidadão de Veneza, tal como as
viram seus olhos mortais. (POLO, 2006, p .35)
Revisão Bibliográfica
2 Pesquisamos para a elaboração das aulas na obra “O Livro das Maravilhas: a descrição do mundo”, tradução de
Elói Braga Jr,Porto: Alegre, L&PM POCKET, 2006. Em sala de aula, a versão adotada foi a adaptação feita por
Ana Maria Machado, “As Viagens de Marco Polo”, São Paulo: Scipione, 1997.
3 Em 1293, após a morte do Grande Khan, imperador do povo mongol e neto de Gengis Khan, Marco Polo
regressa a sua terra natal. Casa-se e entra para a Marinha de Veneza, que travava naquela época mais uma de
suas guerras com Gênova. Foi então aprisionado pelos genoveses e na cela conheceu Rusticello.
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A despeito de uma vasta historiografia sobre a Idade Média, muitos preconceitos,
equívocos e estereótipos ainda persistem dentro e fora das aulas de História. Veiculada por
materiais didáticos inconsistentes ou pelos meios de comunicação de massa, certa idéia da
Idade Média como “Idade das Trevas” ainda persiste entre nós. Além disso, são poucos os
textos que refletem sobre o ensino deste conteúdo específico. Os livros didáticos, de uma
maneira geral, ainda trazem os conteúdos sobre este período organizados dentro de uma
perspectiva da história política e econômica. Ressaltam exaustivamente o poderio da Igreja
Católica sobre os grupos sociais e “esquecem” de destacar seu importante papel como
conservadora de toda uma herança cultural greco-romana. Destacam os castelos e as histórias
de reis e, em pequenos boxes, com textos aligeirados, algumas considerações sobre a vida de
outros grupos sociais. As guerras e doenças então, parece que só existiram na Idade Média,
antes e depois destes mil anos, ao que os livros levam a crer, não houve mais guerras e
mortes.
O historiador José Rivair Macedo (2005), um dos poucos que escreve sobre ensino da
Idade Média, destaca a importância de repensarmos esse período e ficarmos atentos às
especificidades de cada região na hora de ensinarmos esse conteúdo. Para ele, ainda a Idade
Média ensinada nas escolas não é a Idade Média dos pesquisadores. A Idade Média ocidental
predomina nos bancos escolares e serve ainda para legitimar o domínio ocidental no mundo.
Sua proposta de “descolonização” da Idade Média parte de um investimento maior nos
estudos sobre os povos do norte e leste europeu e sobre a Península Ibérica. Ressaltando-se as
coexistências étnicas e heranças culturais.
A nossa proposta de trabalho com a Idade Média, pretendeu-se mais ousada. Iniciar o
estudo do medievo em outros espaços geográficos que não europeus, possibilitou o estudo da
coexistência cultural, de outras formas de organizações políticas, que não a tão propalada
fragmentação do poder e, ainda, permitiu aos adolescentes trabalharem com a idéia de
simultaneidade na História. Ocidente e Oriente foram estudados com suas diferenças e
semelhanças, dentro de uma mesma temporalidade.
Através de uma enquete aplicada no campus da Universidade Federal de Pernambuco,
com o objetivo de sondar as imagens e valores associados a este período, os alunos e as alunas
da 6ªsérie, ano letivo 2007, puderam constatar a persistência da visão do medievo com um
período obscuro, cheio de guerras, fomes, doenças e fanatismo religioso. Mesmo entre jovens
universitários, percebemos como o período compreendido entre os séculos V e XV ainda é
pouco conhecido. Os conceitos prévios dos/as alunos/as sobre essa época também não eram
muito distante do apontado pelos entrevistados. Assim, o desafio era estruturar as aulas
visando ampliar e refazer os conceitos prévios sobre a Idade Média. Segundo Mariana Miras
(2004, p. 57), estes conhecimentos prévios são o ponto de partida paras novas aprendizagens e
não devem ser desconsiderados nunca pelos professores. São conhecimentos que os alunos já
possuem a respeito do conteúdo concreto que se propõe a aprender, conhecimentos prévios
que abrangem tanto conhecimentos que, de maneira direta ou indireta, estão relacionados ou
podem relacionar-se com ele. Graças ao que o aluno já sabe, pode fazer uma nova leitura do
novo conteúdo, atribuir-lhe um primeiro nível de significado e sentido e iniciar o processo de
sua aprendizagem.
A Idade Média construída por lendas e contos de fadas, com seus reis, castelos e
batalhas povoa a paisagem imaginária dos alunos e alunas. As aulas pretenderam fazer que os
alunos identificassem suas próprias idéias sobre o período e investigassem como estas foram
construídas. Alguns filmes que retratam este período foram colocados em discussão. Pediu-se
que destacassem, assim como se faz com a narrativa de um livro, como o diretor representava
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a medievalidade. Durante o debate discutimos não apenas a escolha dos temas e as
ambientações, mas também as luzes e o jogo das câmeras. Vivemos numa sociedade da
imagem e sabendo da eficácia da linguagem cinematográfica, não podemos deixar de assistir e
discutir estes filmes que retratem épocas históricas. O objetivo do trabalho é colocar o
conteúdo apresentado em discussão, esclarecendo a respeito do real e do imaginado para a
época estudada. Pretende-se mostrar aos alunos/as que o passado é representado em filmes e
na historiografia sempre a partir de valores e idéias do presente.
No primeiro semestre de 2007 os filmes recomendados (e, anteriormente já trabalhado
proveitosamente com outras turmas da mesma série e faixa etária) foram: O Nome da Rosa de
1986, do diretor Jean-Jacques Annaud (um clássico do cinema histórico baseado no romance
homônimo do escritor italiano Umberto Eco), Em Nome de Deus, de 1988, do diretor Stealing
Heaven e O Incrível Exército de Brancaleone, de 1965, dirigido por Mario Monicelli . Todos
eles representando espaços e valores atribuídos ao período, levantando uma série de
características relacionadas a medievalidade – ensino na idade média, religiosidade, pudores
sexuais, fome, doenças, saques e mortes, relação com o conhecimento, etc.Cenas de sexo,
nudez e violência apresentadas são tratadas com naturalidade pela professora e os/as
alunos/as, uma vez que todos são previamente avisados dos objetivos do trabalho a ser
realizado posteriormente a exibição do filme e por entendermos que a exibição de tais cenas
(curtas e muitas delas mais ingênuas do que as diariamente visualizadas em novelas, jornais e
no cotidiano diário) não devem impedir um trabalho maior de discussão intelectual sobre a
construção das representações sobre a Idade Média. Em sala, a exibição destes filmes é ainda
utilizada para discussão e enfretamento de instancias e práticas, como o amor e a violência,
presentes na vida de homens e mulheres do passado e do presente. É a oportunidade de
impulsionar um amadurecimento na forma dos alunos/as começarem a encarar tais questões.
Após este exercício de entender como as representações são construídas e geram
significados, empreendemos uma seqüência didática, com as leituras e pesquisas focadas no
livro do viajante veneziano. Solicitamos a leitura da versão adaptada por Ana Maria Machado,
com linguagem clara e acessível ao vocabulário dos adolescentes. A leitura foi recomendada
desde o primeiro dia letivo, portanto, os alunos e alunas dispuseram de tempo para
organizarem sua forma de leitura. Paralelamente, em sala, discutimos o texto “O Mundo que
parou no tempo”, do jornalista Alex Gutemberg, publicado no jornal O Estado do Paraná.
Este texto constrói uma série de generalizações sobre a região nordeste e através da
manipulação de exemplos de pobreza e corrupção tenta instituir certa identidade para os
nordestinos. É um texto que nos mostra o exercício da narrativa de construir o “outro” como
inferior. Os alunos e alunas reagiram, se indignaram e refletiram sobre como esta prática de
nomear o outro como o diferente, inferior é ainda tão recorrente no nosso cotidiano.
Perceberam que os relatos sobre lugares e pessoas nem sempre são verídicos e confiáveis. A
leitura e discussão do artigo pretendeu aguçar o olhar dos alunos e alunas para o poder das
narrativas e para a construção de identidades, que às vezes tornam-se prisões. Esta foi uma
atividade que pretendeu, sobretudo, despertar e preparar os alunos e alunas para suas leituras
de Marco Polo.
Após esta etapa, solicitamos aos adolescentes que escolhem os trechos da obra que
mais lhe interessaram, que despertaram seu interesse. A atividade proposta continha três
questões: Destacar lugares, pessoas e características que mais chamaram sua atenção;
Confrontar essas informações com outras fontes como livros e Internet; Escrever um texto
analisando as diferenças e semelhanças. Um exercício absolutamente interdisciplinar.
Possibilitando o diálogo da história como outros saberes, com a geografia e a antropologia e
com outras disciplinas escolares como Língua portuguesa e Pesquisa.
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Resultados e Discussão
O material produzido por alunos e alunas permite refletirmos para além do ensino.
Possibilita entendermos como são mobilizados os saberes prévios e as informações novas na
construção do conhecimento por parte dos educandos. Através destes materiais podemos rever
nossas práticas e adequação ou não dos recursos didáticos utilizados em sala. Nas 30
atividades analisadas para elaboração deste artigo, identificamos como estes alunos e alunas
apresentam uma diversidade de formas de sistematizar seus pensamentos, de elaborarem suas
pesquisas e como seus curiosos olhares foram tão abrangentes quanto às próprias rotas de
Marco Polo:
“Uma coisa muito importante citada no livro foi o Monte Ararat, uma montanha
muito alta, com forma de cubo e sobre a qual dizem que a Arca de Noé parou. O pico sempre
está coberto com neve, e onde teria parado a Arca, há uma mancha escura grande, que se vê
de longe, e está no meio da neve. A sua base é muito extensa que nem em dois dias se
consegue circundá-la.”
“Kublai Khan foi um imperador dos tártaros. Kublai era um homem de estatura
média, ele tinha 4 mulheres legítimas e com elas teve 23 filhos, já com as concubinas teve 25
filhos.”
“Mulehet era uma cidade governada pelo príncipe Aloadin, que fazia com que as
pessoas acreditassem que seu reino era o paraíso. Ele dava ópio para crianças para elas
dormirem e acharem que tinham morrido, e com isso quando cresciam as crianças viravam
guerreiros e serventes do príncipe”.
“Um lugar que chamou-se extremamente a atenção foi entre Bagdá e Mossul, onde
dizem ter ocorrido fabuloso prodígio, esse seria que no ano de 1275, havia em Bagdá um
califa que não gostava dos cristãos e que queria convertê-lo aos muçulmanos ou se tal feito
não fosse realizado seriam mortos. O califa queria que os cristãos teria de mover uma
montanha, os cristão ficaram assustados e não sabiam o que fazer. Não perderam as
esperanças se reuniram aos bispos e rezaram durante oito dias sem parar.(...)”
“Os tártaros usam carroças com um couro preto que as protege da chuva. As
mulheres lá ficam encarregadas de comprar, vender e outras tarefas. Já os homens se
ocupam de caçar e dos combates. Os tártaros se alimentam de carne, leite e verduras. Os
tártaros se casam depois de mortos é assim que acontece: Um senhor tem uma filha que
morreu a muito tempo, então ele procura uma família que tenha morrido um homem e
pergunta se eles querem se casar, se aceitarem, faz-se uma cerimônia e as famílias se tornam
parentes. (...)”
“ No Porto de Ormuz as pessoas são negras e adoradores de Maomé. É um lugar
muito quente que todos os dias de manhã vem do deserto um vento muito quente e forte. É tão
quente o vento que as pessoas do local não conseguem respirar perfeitamente por isso
quando ele chega, as pessoas entram na água que cobre até seu queixo. Nesse porto chegam
várias mercadorias, de tecidos até elefantes, que de lá vão para o mundo inteiro.”
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Os trechos destacados pelos adolescentes insinuam alguns dos seus interesses e aquilo
que desperta sua curiosidade num primeiro momento. O exercício permitiu que eles
expressassem as histórias que lhes interessavam. Porém, além disto, incentivou que
pesquisassem e confrontassem estes relatos com outros materiais. Permitiu que
amadurecessem pontos de vista e expressassem um pensamento próprio:
“O livro As Viagens de Marco Polo é muito interessante e traz várias informações bem
legais. Algumas coisas me chamaram mais atenção que outras, entre elas resolvi destacar, o
imperador dos tártaros Kublai Khan, e o próprio Marco Polo. (...) Nos relatos da Internet
surge a hipótese de Marco Polo não ter ido realmente a todos esses lugares, mas ter escrito o
livro com base nos relatos de marinheiros. Contudo, na época esse seu livro foi de grande
importância para que as pessoas conhecessem diferentes culturas. O livro mistura a
realidade com um pouco de fantasia e na Internet existe várias versões da mesma história,
então para que a pesquisa fique completa é preciso procurar ver os dois lados.” (grifo
nosso)”
“O desconhecido tem duas faces: a surpresa e o ataque. Surpresa porque quando nos
deparamos com o desconhecido temos admiração de estarmos tendo contato com algo novo,
diferente...Só que essa diferença causa outro sentimento: o ataque, ou a defesa. Quando
temos desconhecimento de algo nossa tendência é ser cautelosos com aquilo, “ficar na
defensiva”. É como se vendassem os olhos.. (...) E é essa “defesa” que nos leva ao ataque ao
novo. Temos nossa vida, costumes, cultura, concepção e se algo diferente, que não
conhecemos, se encontrar com nossa vida, iremos censurá-lo. Marco Polo foi um dos homens
que mais teve contato com o novo, e isso lhe causou os dois sentimentos que falamos acima.
Polo viajou por vários lugares muito diferentes em relação ao que vivia. Conheceu pessoas,
costumes, culturas “estranhos” aos seus. Mas, já que Marco Polo tinha ânsia pelo “novo”,
ele não apenas criticou o que viu. Mais do que isso ele maravilhou-se com o diferente. (...)”
( grifos e aspas do próprio aluno).
Portanto, a leitura dos relatos de viagem situados no século XIII permitiram não
apenas o ensino dos conteúdos selecionados para a série, mas também ao sabor das aventuras
do Oriente, através do contato com práticas econômicas e culturais diferentes das ocidentais,
possibilitou estimular as habilidades de pesquisa, escrita e leituras dos alunos, a expressão de
idéias próprias e a reflexão na forma de lidar com lugares, pessoas e práticas diversas das
nossas. A leitura do Livro das Maravilhas incentivou os próprios educandos a considerarem a
importância e poder das narrativas na construção do seu mundo e de sua identidade. Além,
claro, de tornar o ensino da História uma prática agradável e repleta de descobertas para
alunos/as e professores/as.
Referências Bibliográficas
JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2005.
MIRAS, Mariana. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteúdos; os
conhecimentos prévios. pp. 57-77. In: COLL, C. (Org.) O construtivismo na sala de aula. São
Paulo: Ática, 2004.
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MACEDO, José Rivair. Repensando a Idade Média no Ensino de História. pp. 109-125. In:
KARNAL. Leandro (org.) História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo:
Contexto, 2005.
POLO, Marco. As Viagens de Marco Polo. Adaptação Ana Maria Machado. São Paulo:
Scipione, 1997.
____________. O Livro das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 2006.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A Formação do professor de História e o cotidiano da sala de
aula. pp 54- 66. In: BITTECOURT, Circe. O Saber Histórico na sala de aula. São Paulo;
Contexto, 2005.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A professora no cinema

No último final de semana assisti ao filme "Professora sem classe", em cartaz nos cinemas multiplex da cidade. Compartilho as reflexões que seguem, maneira que encontrei de expressar meu desacordo e preocupação com a forma como os sujeitos da educação são representados. Penso que a despeito de ser uma comédia, não podemos nos furtar do olhar atento e crítico.

A PROFESSORA NO CINEMA
Natália Barros
Encontra-se em cartaz, nos cinemas multiplex da cidade, o filme “Professora sem classe”, do inglês, Bad Teacher. Com roteiro de Gene Stupnitsky e Lee Eisenberg, estrelado pela atriz norte-americana Cameron Diaz e dirigido por Jake Kasdan, apresenta como enredo principal a história de Elizabeth Halsey, professora de Literatura em Chicago, que tem por objetivo maior da vida a conquista de um marido rico. Estonteantemente bonita e aparentemente segura do poder físico que exerce sobre os homens, Elizabeth possui, entretanto, um enorme senso de inferioridade originário do fato de não possuir seios grandes, no seu entendimento, característica fundamental e estratégica para alcançar seu homem ideal. Uma escola pública é o espaço das práticas da professora - absurdamente inacreditáveis - para conseguir o dinheiro suficiente para colocar prótese de silicone nos seios. É também a escola o lugar de embate entre Elizabeth e Amy Squirrel, professora de geografia, na disputa por um colega de trabalho, jovem, bonito e rico. “Professora sem classe” tem classificação indicativa para maiores de 18 anos (menores acompanhados dos pais são liberados) e, segundo os críticos de cinema, faz parte da leva de filmes que não se preocupa mais com o uso dos palavrões, drogas e sexo em cena, pois Hollywood descobriu que há público suficiente para lotar as salas de cinema mesmo com classificação indicativa alta.
A sala do cinema - onde tive o desprazer de assistir ao filme na última sexta-feira (02.09) - estava repleta de jovens em idade escolar, que viram desfilar na sua frente imagens e representações de homens e mulheres, professores e professoras e da escola, carregadas de preconceitos e estereótipos. Embora seja um filme classificado como comédia romântica e alguns críticos destaquem seu caráter declaradamente “politicamente incorreto”, entendo que não é fora de propósito tecer algumas reflexões sobre a maneira como a personagem, seus pressupostos éticos e seu espaço de atuação profissional são apresentados ao público. Representações tão complexas quanto problemáticas por seu poder de construção de subjetividades e definições de valores em relação ao mundo. Conduz as minhas reflexões o entendimento do cinema não apenas como parte integrante da indústria cultural, sujeito às demandas de mercado, mas também o seu caráter de experiência estética e de potencial formativo e, por esses motivos, merecedor de um olhar atento por parte dos educadores.
A maneira como a mulher é apresentada na trama é o meu primeiro ponto de reflexão. É visível como, apesar de todos os debates e embates do feminismo para transformar as relações entre homens e mulheres, a questão da representação feminina ainda é pauta não esgotada e urgente de ser analisada. A busca do homem ideal, do outrora príncipe com cavalo e castelo, ainda é o tema favorito e explorado pelos romances de Hollywood. Apesar do desfile de mulheres bem resolvidas profissionalmente, modernas no vestir e na maneira de lidar com o mundo, nos deparamos constantemente com a insistente visão do homem e do amor como motores da vida das personagens, sendo o homem o que define e justifica sua existência. Embora agora elas tomem a iniciativa, não neguem seus desejos e exijam seu orgasmo, só encontram a felicidade na companhia dos “heróis”, homens que as salvam da jornada dupla de trabalho, do estresse da competição do mundo contemporâneo e de uma vida solitária ou compartilhada apenas com amigas. Esse modelo de feminino não é diferente em “Professora sem classe”, acrescido da ideia das mulheres como interesseiras e da premissa da necessidade do dinheiro masculino para que essas possam construir uma vida confortável ou alcançar seus desejos. Imagens não muito distantes das que circulavam na imprensa do começo do século XX. Relações superficiais entre homens e mulheres, baseadas na busca por sexo e dinheiro é a tônica do filme, que não perdoa nem a possibilidade de um romance verdadeiro e ingênuo entre um adolescente e sua colega de classe. O amor, a sensibilidade do jovem, sua família equilibrada e seu comportamento tímido são ridicularizados ao extremo e o encantamento inicial do treinador de educação física pela professora Elizabeth vai transmutando-se numa caçada sexual ao longo da narrativa. Moralismos à parte, são representações que não contribuem para o diálogo sobre amor e sexo entre os sujeitos e na construção de relações mais saudáveis entre os gêneros.
Como se não bastasse esse olhar a-histórico, cristalizado e naturalizante sobre as relações de gênero e sobre o feminino, o filme comporta representações sobre a prática docente e o espaço escolar que considero distorcidas e preocupantes e que são agora meu segundo ponto de reflexão.
No filme, Elizabeth não exerce efetivamente sua função. Ocupa todo seu horário em classe com exibição de filmes para os alunos. Dorme em sala, é mal educada, pratica atos ilícitos dentro e fora da escola (usa drogas, rouba,frauda exames escolares), humilha seus alunos e alunas e manipula todos ao seu redor para alcançar o dinheiro suficiente para colocar o silicone nos seios. O diretor da escola é apresentado como um sujeito relapso e ingênuo, incapaz de supervisionar e coordenar as atividades do corpo docente, pois se preocupa apenas com sua coleção de golfinhos. A professora Amy, comprometida com a escola, com o ensino e aprendizagem de seus alunos, aparece como a chata da história, exigente e desequilibrada emocionalmente. Grosso modo, todo o corpo docente aparece como sujeitos emocional ou socialmente desequilibrados. A escola é um hospício. Os atos de corrupção e desonestidade praticados no filme não são punidos e a lógica do vença o mais esperto predomina. A própria professora, desonesta, fútil e hipócrita aparece como conselheira dos jovens em vários momentos, transmitindo valores pra lá de questionáveis.
Depois de tantos filmes sobre professores e escolas (a exemplo de Escritores da Liberdade, Nenhum a Menos, Sociedade dos Poetas Mortos, Clube do Imperador, O Sorriso de Monalisa, Adorável Professor, Ao Mestre com Carinho, O Grande Desafio) ressaltando o papel da escola na construção de um mundo melhor, no significado dos professores na transformação da vida de seus alunos, na necessidade da escola ser um microcosmo fundamental para forjarmos relações humanas e sociais mais justas, que virada significa a produção e exibição de “Professora sem classe”? Que projetos entram em jogo na escolha desses roteiros? Num contexto de insistente e contínua crise da escola e de redefinição das relações aluno-professor, num mundo onde os laços humanos tornam-se cada vez mais fluidos e valores e práticas são relativizados ao sabor dos interesses individuais, quais as implicações das ideias postas em movimento no referido filme? Por que essa maneira de olhar sobre a escola e os professores está em circulação?
Saber que os sujeitos não são receptores passivos, que podem transformar e ressignificar as imagens do cinema, pode ser um alento. No entanto, penso que nem sempre os jovens conseguem empreender um debate crítico sobre os produtos oferecidos pela indústria cultural. Nem sempre a própria escola tem se aproximado do mundo contemporâneo e das novas práticas e linguagens construtoras da subjetividade dos nossos jovens escolares, nem sempre tem debatido e criticado representações como as divulgadas por esse filme, ou pelos meios de comunicação que tendem a estereotipar ou reduzir a importância da escola, dos docentes, da educação no mundo contemporâneo. É bom ressaltar que o cinema é uma arte da memória, individual, coletiva, histórica. Participa da história não só como técnica, mas também como arte e ideologia, é um registro que implica mais que uma maneira de filmar, por ser uma maneira de reconstruir, de recriar a vida.
O filme “Professora sem classe” ridiculariza a educação ao colocar os sujeitos da escola, jovens e adultos, professores e alunos, em situações de desrespeito a valores como honestidade, autoridade, solidariedade. Coloca em xeque a educação quando representa os profissionais como sujeitos desequilibrados e sem caráter. Lamento a circulação desse tipo de narrativa e considero necessário expressar nosso descontentamento com representações como às postas em movimento, ainda mais quando sabemos o quanto a identidade docente tem sido discutida, questionada e nossa profissão desvalorizada. Como a filósofa Hannah Arendt, acredito que a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos jovens, é onde preparamos esses jovens para empreenderem algo novo e imprevisto, onde fornecemos os recursos para a tarefa de renovação de um mundo comum .
“Professora sem classe” não tem a menor graça. Não considero o espaço escolar um mundo à parte da realidade, nem considero os docentes como sujeitos perfeitos e imunes à inversão e esfacelamento de valores que predominam no mundo contemporâneo, mas apesar de todos os problemas, crises e limitações, a educação, a escola e os professores não merecem as caricaturas divulgadas no filme, pois, lidando com o passado e o presente, com a tradição e a renovação, contribuem na crítica e reconstrução do mundo em que vivemos.

Recife, 04 de setembro de 2011.