quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Outras escritas



Ele não sabia por onde começar. Rodopiando pela casa, entrava nos quartos, ia pra varanda, voltava pro quarto e nada acontecia a não ser aumentar o desespero. Olhava o vai e vem dos carros na avenida e até achou graça numa motorista bem estressadinha que não parava de businar para o carro da frente, lembrou que ele sempre fazia isto, porque sempre estava atrasado e, certamente hoje não seria diferente. Estava quase na hora do encontro e não tinha a menor idéia do que ia vestir, que sapato e cinto usar, e pior, do que ia conversar com aquela mulher que nem conhecia. Quer dizer, mais ou menos não conhecia, pois, já havia cerca de seis meses que religiosamente se comunicavam pela internet, praticamente estavam namorando. Não fazia cerimônias em dizer que era um homem comprometido.
            Na redação do jornal onde trabalhava, todos notaram que seus artigos sempre tão  hostis com as mulheres tinham mudado de tom. Aliás, hostil é um eufemismo, eram verdadeiras bombas anti-woman aquilo. “Porque as mulheres, estas exploradora... porque as mulheres, estas consumidoras inveteradas... porque o mundo seria melhor sem shopping-centers, sem o salão de beleza e sem a academia de ginástica, fábricas de queimar dinheiro dos maridos...” Inclusive, foi exatamente por conta destes artigos que escrevia que conheceu a internauta que estava agora remexendo o seu coração. Ela havia enviado um e-mail bem desaforado tomando as dores das herdeiras de Eva, exigindo que ele se retratasse com as leitoras, pois há muito ser mulher não era aquilo que ele insistentemente mostrava em sua coluna; não era possível que um homem inteligente como ele continuasse com aquela imagem do feminino! E foi e-mail pra cá, xingamento pra lá, até que os tons dos e-mails aos poucos foram se tornando mais especulativos. ­Você é casado? E você? Faz tempo que está sem namorada? Já ouviu a nova música do Lenine?  Pronto! Cupido atingiu aqueles corações.  
            Agora, depois de todas as juras de amor chegava o grande dia de se encontrarem, se tocarem, se beijarem, mas, o frio na barriga desde o começo da manhã não o deixava em paz. Será que ela é bonita? Tinham combinado de não enviar fotos. Afinal, poderiam não ser fotogênicos, ou poderiam enviar fotos de outras pessoas, nunca se sabe. Preferiram evitar a aparência como tempero do amor. Mas agora, os pensamentos vinham aos turbilhões lhe perseguir: e se ela quisesse casar logo? E como seria a família dela? E os amigos? E se ele gostasse só dela e não do pacote familiar que viesse junto? Olhava os ponteiros do relógio e simplesmente ficava desesperado. Achava melhor ir antes olhar o e-mail, talvez ela tivesse tido algum problema e não pudesse ir. Foi para o  computador e já eram quase nove horas.

            Ela vinha pelas ruas a todo vapor, se espremendo por entre as pessoas, atravessando a rua como um foguete, quase sendo atropelada, detestava atraso. Ela tinha acertado o horário do encontro e escolhido o local. Iam encontrar-se em uma grande livraria, seu lugar predileto. Adorava ficar lá horas a fio viajando sem sair do chão. Gostava do cheiro dos livros novos, de olhar as capas, ler os agradecimentos, roçar as páginas em suas mãos. Deve ter sido este amor aos livros que lhe fez ser bibliotecária. Não pensemos naquela imagem já batida de mulher de óculos, casaquinho e cabelos maltratados atrás de um balcão. Ela gostava de cuidar-se, sempre de cabelos curtos e pintados, não abria mão de batom e rímel na bolsa. Não era destas mulheres que vivem no mundo da lua. Era muito decidida, gostava de ousar, talvez por isto estivesse indo agora encontrar este homem que a princípio não suportava.
            Estava sentindo-se uma adolescente, apesar dos quase quarenta anos bem conservados, diga-se de passagem. Ficou o dia todo pensando como seria aquele encontro. Como de costume, foi ao trabalho naquele dia. Não ouviu nenhuma gracinha dos colegas, pois, era alguém que respeitavam, embora já soubessem que andava inventando estas histórias de namorar gente pela internet, como ela mesma dizia. Trabalhava numa grande biblioteca, já tinha namorado alguns colegas e também namorou alguns usuários. Mas, não sabia explicar, logo o interesse passava, e então preferia ficar sozinha mais uma vez. Não tinha problemas com a solidão. Sempre encarou os momentos que estava sem namorado como oportunidades de experimentar prazeres um pouco egoisticamente, como por exemplo, poder escolher o filme que ia assistir no multiplex sem ter que abrir mão dos filmes românticos pelos de aventura ou ficção (em geral, os preferidos dos homens), comer a pizza do sabor que bem entendesse e tomar sorvete sem estar muito preocupada com os quilinhos a mais que inevitavelmente viriam junto com aqueles pequenos prazeres.
            Notou que já eram quase nove horas, a livraria estava cheia. Estava perdida em pensamentos fazia algum tempo e nem notou se havia entrado alguém com cara de namorado virtual.  Aproveitou então e foi a seção de DVDs, há tempos que queria comprar o do show do U2 no Rio de Janeiro. Pensou consigo por um instante, sem muitos dramas pra falar a verdade: virá?!
           
Não, não entrou ninguém para encontrá-la, porque simplesmente, ficar no computador parecia muito mais seguro ao seu pretendente. Naquele dia mesmo decidiu que mudaria de e-mail, pediria ao chefe pra escrever em outra coluna e jamais sobre mulheres de novo. Pensava ele que certamente não gostaria dela, certamente não daria certo e não estava disposto a magoar-se. Nem pensar em namoros por um bom tempo, dizia ele a todos.
Mas, à noite, quando voltava do trabalho, não resistia, corria para o computador e ficava lá com suas namoradas virtuais, que em geral não duravam mais que uma semana, pois, bastava a sugestão de um encontro e simplesmente a resposta lhe fugia. Tornou-se um namorado virtual, sem chance de se materializar, ao menos por enquanto. 
            Ela? Como ficou?  Ah, isto é uma outra história, talvez com menos solidão do que você imagina.        

Natália Barros, março de 2006

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